Doação de Avô para Neto é Adiantamento de Herança? Desvendando o Mito e a Lei
Uma doação de avós para netos é considerada adiantamento de herança para os pais? Entenda a lei, a exceção crucial e como a "dispensa de colação" pode evitar conflitos familiares.
PLANEJAMENTO/SUCESSORIO
Alvaro Silva
10/20/20254 min read


O desejo de um avô ou avó de investir no futuro de um neto é um dos atos de amor mais nobres que existem. Seja para garantir a faculdade, ajudar na compra do primeiro imóvel ou simplesmente para dar um impulso na vida adulta, este gesto transcende o tempo.
Contudo, por trás da boa intenção, esconde-se uma dúvida jurídica que assombra muitas famílias: esta doação pode ser considerada um adiantamento da herança que caberia ao meu filho (o pai/mãe do neto)?
Esta não é uma preocupação menor. Uma doação mal estruturada pode, inadvertidamente, transformar um presente num problema, gerando disputas amargas e dispendiosas no delicado momento do inventário.
Neste artigo, vamos desvendar este mito, explicar o que a lei brasileira diz, revelar a exceção crucial que todos precisam de conhecer e mostrar a solução jurídica definitiva para garantir que o seu ato de generosidade seja uma fonte de alegria, e não de conflito.
O Ponto de Partida: O Que é "Adiantamento de Herança"?
Para entender a questão, primeiro precisamos de conhecer a regra geral. Pela lei brasileira (Art. 544 do Código Civil), quando um pai doa um bem a um filho, essa doação é, por presunção, um "adiantamento da legítima".
Isto significa que a lei não vê o ato como um presente extra, mas como uma antecipação da parte da herança a que o filho já teria direito. Para garantir a igualdade entre todos os herdeiros, a lei exige que, no inventário, o filho que recebeu a doação informe o valor do bem recebido (ato chamado de "colação") para que seja descontado da sua parte final.
É por causa desta regra que surge a dúvida: ela aplica-se quando a doação "pula uma geração"?
A Regra Geral (A Verdade): Doação de Avô para Neto NÃO é Adiantamento
Na grande maioria dos casos, a resposta é clara: não.
A interpretação jurídica majoritária é de que a doação feita de um avô diretamente para um neto não é considerada um adiantamento de herança para o pai/mãe do neto.
A lógica é a seguinte:
O Neto Não é Herdeiro Necessário (ainda): Enquanto o seu pai ou mãe (filho do doador) estiver vivo, o neto não é um herdeiro necessário do avô. Portanto, a obrigação de "colacionar" não se aplica a ele.
Uso da "Parte Disponível": A lei presume que esta doação é uma liberalidade que o avô fez usando a sua "parte disponível" — os 50% do seu património dos quais ele pode dispor livremente, para beneficiar quem quiser, sem afetar a parte obrigatória dos seus filhos (a "legítima").
Portanto, em circunstâncias normais, o presente para o neto é apenas isso: um presente, que não interfere na herança dos filhos.
A Exceção Crucial que Pode Mudar Tudo (A Reviravolta)
Aqui está o detalhe técnico que pode causar enormes conflitos se for ignorado. A regra acima só vale se a linha sucessória permanecer intacta.
Se o filho do avô (o pai/mãe do neto que recebeu a doação) falecer antes do próprio avô, o cenário jurídico inverte-se completamente.
Neste caso, o neto passa a herdar do avô por "direito de representação", ocupando o lugar que seria do seu pai na sucessão. E o Artigo 2.009 do Código Civil é taxativo: ao herdar por representação, o neto será obrigado a trazer à colação a doação que recebeu em vida.
Aquele presente, dado anos antes, é "ressignificado" pela lei e passa a ser tratado como um adiantamento, o que pode frustrar completamente a intenção original do avô e criar um desequilíbrio na partilha com os tios do neto.


A Solução Definitiva: A "Cláusula de Ouro" que Blinda a Doação
Como, então, garantir que a vontade do avô seja respeitada em qualquer cenário, protegendo o presente do neto e a harmonia familiar?
A legislação oferece uma solução robusta e definitiva: a "Cláusula de Dispensa de Colação".
Ao formalizar a doação (seja por escritura pública ou contrato), o avô-doador deve incluir uma cláusula específica e expressa a declarar que o bem ou valor doado está a sair da sua parte disponível e, por consequência, está dispensado da colação.
Esta declaração formal blinda a operação. Ela elimina qualquer ambiguidade, caracterizando a doação, de forma inequívoca, como uma liberalidade extra, que não se confunde com a herança dos filhos, independentemente do que aconteça no futuro.
Atenção ao Limite: Esta cláusula só é válida se, no momento da doação, o valor do bem não ultrapassar 50% de todo o património do avô.
Conclusão: Do Afeto à Ação Planeada
Investir no futuro de um neto é um ato de legado. E, como vimos, a lei, na sua configuração padrão, geralmente protege essa intenção. No entanto, a existência de exceções críticas significa que confiar no "padrão" é arriscar a paz da sua família.
A ausência de um planeamento robusto pode transformar um presente num problema. A única forma de garantir que a sua generosidade se materialize como uma bênção incontestável é através da formalização. A "Cláusula de Dispensa de Colação" não é um mero detalhe jurídico; é a ferramenta que alinha a lei com o seu afeto, garantindo que o seu legado seja de união e prosperidade.
O PRÓXIMO PASSO É SEU.
Agora que desvendámos o maior mito jurídico, é hora de passar à prática. No nosso próximo artigo, vamos detalhar a "Cláusula de Ouro", mostrando como incluir a Dispensa de Colação no seu planeamento e como utilizar as faixas de isenção de imposto (ITCMD) para doar de forma ainda mais eficiente.
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